Avaliação ambiental dos materiais deve estar sempre associada ao seu desempenho e vida útil
Materiais devem ser avaliados com relação à utilização de recursos naturais, emissões e resíduos gerados na sua fabricação
Por: Alberto Nascimento
A indústria da construção civil é grande consumidora dos recursos naturais e, consequentemente, responsável por impactos ambientais consideráveis. O consumo consciente dos produtos neste segmento é, portanto, vital para a sustentabilidade.
Mas afinal, como selecionar materiais para iniciar uma obra? Para Vera Fernandes Hachich, gerente técnica da Tesis – Tecnologia e Qualidade de Sistemas em Engenharia e conselheira do CBCS (Conselho Brasileiro de Construção Sustentável), a avaliação ambiental dos materiais e componentes deve estar sempre associada ao seu desempenho e vida útil.
“Não existem produtos ambientalmente corretos ou chamados de ‘sustentáveis’ se estes não cumprem ao menos a função a que se destinam por um período mínimo de tempo. Os produtos devem ser duráveis para que não precisem ser brevemente substituídos, já que a degradação de materiais exige dispendiosas atividades de manutenção e limita a vida útil das construções” explica.
Vera ressalta ainda que os materiais devem ser avaliados com relação à utilização de recursos naturais, as emissões e resíduos gerados na sua fabricação. Além disso, os produtos não devem fazer mal a saúde e, após a sua vida útil, devem ser facilmente reutilizados ou reciclados. A avaliação do impacto dos produtos no meio ambiente em todo o seu ciclo de vida (desde a extração dos recursos naturais, na produção, utilização e até a disposição final do produto novamente no meio ambiente) também é destacada pela especialista. “A abordagem do ciclo de vida é de extrema importância, uma vez que produtos podem ser ‘ambientalmente corretos’ com relação aos processos de produção, mas podem não apresentar bom desempenho ambiental durante a sua vida útil ou no descarte após o uso”, diz.
Para Rosa Maria Sposto, professora do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Faculdade de Tecnologia da UnB (Universidade de Brasília), ainda são poucas as empresas que se preocupam com a seleção de materiais de acordo com aspectos da qualidade e da sustentabilidade. Em relação aos critérios de seleção, o primeiro passo seria especificar materiais que tenham sido qualificados pelo Sistema de Qualificação de Materiais, Componentes e Sistemas Construtivos, o SIMAC, no âmbito do PBQP-h (Programa Brasileiro da Qualidade e Produtividade do Habitat). Além disto, Rosa cita a necessidade de se considerar os aspectos ambientais e sociais. “Neste aspecto, cito um projeto interessante que foi desenvolvido em Brasília pelo Laboratório do Ambiente Construído, Inclusão e Sustentabilidade (LACIS), denominado Programa de Responsabilidade Ambiental e Social, desenvolvido em parcerias com empresas construtoras e incorporadoras do Distrito Federal. Este programa desenvolveu um guia de compras sustentáveis e está sendo utilizado na prática por várias empresas da construção civil”, diz. “O ciclo de vida é importante, mas ainda não temos base de dados consolidada para a sua realização, então, muitas vezes trabalhamos com critérios de energia incorporada de materiais, emissões de gases como o CO2 e outros”, acrescenta.
Ferramentas para seleção
O CBCS possui uma ferramenta para auxílio à seleção dos fornecedores, denominada “6 passos para a seleção de insumos e fornecedores com critérios de sustentabilidade”. Segundo Vera Fernandes, a expectativa a partir da utilização da ferramenta é que o setor dê um salto de qualidade, “de maneira que a vida útil dos edifícios brasileiros aumente e que diminua a necessidade de reposição e manutenção freqüentes, para evitar o uso de recursos naturais, minimizando os impactos ambientais inerentes a própria atividade de construção”.
A ferramenta orienta para a seleção das alternativas de fornecedores. O objetivo principal, segundo a conselheira do CBCS, é conscientizar o setor da construção civil de que não há construção sustentável sem que haja o cumprimento de três condições: formalidade, legalidade e qualidade. “Esse sistema não esgota o assunto, mas é uma estratégia viável para abordar práticas acessíveis a todos os compradores e especificadores de materiais e fornecedores”, diz. Os passos são:
Passo 1 - Verificação da formalidade da empresa fornecedora (CNPJ)
Se o CNPJ (cadastro nacional de pessoa jurídica) de uma empresa não é válido significa que o imposto não está sendo recolhido ou que a empresa não tem existência legal. Em princípio o CNPJ deve estar impresso na embalagem, no produto ou na nota fiscal. Em alguns casos em que o número não esteja disponível (produtos vendidos em quantidades menores que a embalagem do fabricante ou a granel, por exemplo), é necessário consultar a revenda, o importador ou o fornecedor.
A verificação da validade do CNPJ deve ser feita no site da Receita Federal: http://www.receita.fazenda.gov.br/PessoaJuridica/CNPJ/cnpjreva/Cnpjreva_Solicitacao.asp ou a partir do sítio do CBCS http://www.cbcs.org.br e depois basta apertar no ícone “Seleção dos 6 passos” - no passo 1. Caso o CNPJ seja válido, o sistema retorna o nome completo da empresa e o estado da Federação onde a unidade fabril está localizada. Caso o CNPJ não esteja ativo ou válido, o fornecedor deverá ser descartado.
Passo 2 - Verificação da formalidade da empresa: licença ambiental da unidade fabril
Nenhuma atividade industrial pode operar legalmente sem licença ambiental, concedida pelo órgão ambiental estadual. A existência da licença não é garantia ao meio ambiente, mas a sua ausência praticamente elimina qualquer possibilidade de respeito à lei. Alguns órgãos da federação possibilitam a consulta através do nome completo da empresa e da unidade da federação, enquanto outros órgãos exigem o fornecimento do número do processo. Caso o órgão da federação só possibilite a consulta da licença ambiental através do número do processo, solicite ao fabricante uma cópia da licença ou número do protocolo e confirme a validade da licença nos sites dos órgãos ambientais. O site do CBCS tem um mapa do Brasil, em que basta apontar para um estado e clicar duas vezes que o sítio do órgão ambiental estadual já é acionado. O site do CBCS é o http://www.cbcs.org.br e depois basta apertar no ícone “Seleção dos 6 passos”. No mapa do Brasil, os estados estão representados por três cores: os estados em cor verde são aqueles em que o usuário pode utilizar o site (acionado diretamente pelo link do CBCS) e com informações simples como CNPJ, endereço, CEP, razão social ou marca comercial, o site informa a existência da licença ambiental e sua validade. Os estados indicados com laranja são aqueles que necessitam o número da licença ou protocolo de concessão da mesma para informar se há uma licença ambiental válida. Os estados indicados em vermelho não possuem acesso direto a essa informação: será necessário o encaminhamento de um e-mail com o número da licença ambiental para obter a informação da existência e validade da mesma.
Passo 3 - Legalidade e regularidade da mão de obra
A existência de um fornecedor na lista de empresas que utilizaram mão de obra infantil ou escrava a desqualifica como fornecedor sustentável, pela ilegalidade de seus atos.
Passo 4 - Qualidade do produto – respeito às normas técnicas
A baixa qualidade dos produtos é uma fonte importante de desperdício: estes produtos não apresentam desempenho adequado e uma grande parcela deles acaba sendo substituída, gerando custos e resíduos. As normas técnicas são o critério mínimo de qualidade vigente e seu respeito é obrigatório no Brasil. Verifique se o fornecedor está na lista de empresas qualificadas pelo SiMaC – Sistema de Qualificação de Materiais, Componentes e Sistemas Construtivos – projeto inserido no PBQP-H – Programa Brasileiro da Qualidade e Produtividade do Habitat, um programa do governo federal que acompanha a qualidade de um grande número de setores e que publica a relação dos fabricantes que produzem em conformidade e não conformidade às normas técnicas da ABNT.
Neste passo, o CBCS indicou a melhor nomenclatura utilizada pelos projetistas e especificadores na fase de orçamentação dos materiais facilitando a busca por informações sobre as conformidades técnicas aos usuários. Além disso, a CDHU – Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado de São Paulo cedeu as plantas de edifícios tipos das unidades térreas familiares para incorporação na ferramenta, com isso os usuários da ferramenta dos seis passos poderão fazer uma navegação virtual sobre o edifício levando-os direto para o componente a ser consultado dentro do projeto, onde será possível verificar a conformidade do componente com as normas brasileiras. O link entre o desenho e o site do PBQP-H foi feito pela ABRAMAT, outra importante parceira na criação da ferramenta.
Alguns produtos tradicionais ainda não fazem parte do PBQP-H. Neste caso é necessário exigir do fabricante a demonstração da qualidade do produto, a partir de uma avaliação feita por entidade de terceira parte reconhecida. No sítio do CBCS, passo 4, será possível obter maiores informações com as entidades de classe e, em alguns casos, as normas técnicas e especificações sobre os produtos.
Passo 5 - Analisar o perfil de responsabilidade socioambiental da empresa
A Responsabilidade Social Empresarial (RSE) está além do que a empresa deve fazer por obrigação legal. A Responsabilidade Social é a tradução e incorporação dos valores e compromissos das empresas em todas suas formas de relações em seus negócios. Podemos dizer que a RSE pode promover negócios sustentáveis, que por sua vez, são conscientes dos impactos positivos e negativos no campo econômico, social e ambiental, sejam eles gerados pelo negócio ou pela sociedade, procurando gerenciar os riscos e as potencialidades ou oportunidades que estão presentes na empresa e na sociedade.
A sustentabilidade não está só na empresa ou na sociedade, com os patrões ou com empregados, com as pessoas ou com o meio ambiente, mas nas relações que se estabelecem em todos os níveis e em toda cadeia do negócio. Portanto, a melhor forma de avaliar a RSE de fornecedores é através do relacionamento e de toda forma de realizar o negócio. É assumir uma co-responsabilidade dos insumos e serviços adquiridos, assim como tornar sua própria prática transparente para a sociedade.
A RSE pode ser organizada em quatro grandes temas:
1. Funcionários e Fornecedores
2. Meio Ambiente
3. Comunidade e Sociedade
4. Transparência e Governança
Passo 6 - Cuidado com propaganda enganosa
É necessário que o cliente confirme a consistência e relevância das afirmações de eco-eficiência dos produtos e processos declarados pelos fornecedores. Mesmo produtos certificados podem levar a equívocos: qual o critério da certificação? Estes critérios são públicos? Qual a seriedade do processo?
Lembre que pequenos avanços produzidos em grande escala geram mais benefícios que grandes avanços aplicados a uma pequena parcela da produção: procure julgar a eco-eficiência global da empresa e não apenas do produto de interesse.
Saiba mais
- CBCS (Conselho Brasileiro de Construção Sustentável)
- PBQP-h (Programa Brasileiro da Qualidade e Produtividade do Habitat
www.pbqp-h.com.br
- Programa de Responsabilidade Ambiental e Social (PRAS) do Laboratório do Ambiente Construído, Inclusão e Sustentabilidade (LACIS)
Alberto Nascimento - Editor da Revista Sistemas Prediais
Fonte: e/a Engenharia & Arquitetura
Comentários
Postar um comentário